quinta-feira, 30 de maio de 2013

Imaginarium

- Não hei-de morrer com uma garrafa de vinho na mão
e uma caneta no bolso...


Sinto-me febril...
a neblina matinal dá-me náuseas,
adoeci para o mundo,
morri para ti,
não me esqueci de mim.

Sinto-me febril...
engoli o veneno do teu corpo
e quis curar-me no antídoto dos teus lábios
porque não te quis procurar
mas encontrei-te.

Sinto-me febril...
plantei cobras e fui mordida,
colhi e comi os frutos amargos da Primavera
porque nunca te quis, nunca te tive
mas ordenei que me deixasses.

Já não sinto,
já não escrevo,
nem durmo de olhos abertos
imaginando todos os teus pesadelos

num céu de véu púrpura.

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sopor Aeternus




- Para ti que dormes nos parapeitos das montanhas à noite,
que te aconchegas nas ondas do mar...


Beberei
todas as lágrimas de chumbo
que a culpa acarreta,
todas as mágoas dos segredos
escondidos na névoa dos meus olhos.

Fecharei os olhos
até tudo se apagar,
até adormecer num sono profundo
quando ouvir suspirar
...sopor aeternus...

Em todas as lágrimas embriagadas que encontrei,
derramei o amor gota a gota
porque nada mais cabe no silêncio
que a incerteza de não o ouvir!

E de todas as portas que se abrirem,
alguma há-de ranger um nome
porque nada mais cabe no silêncio
senão o lado negro de uma luz.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Pelo Caminho do Desassossego




Entrei em cofres secretos
selados a perfume
de palavras assobiadas pelo vento
em troncos escritos pelas unhas do amor
quando os seus ramos tentavam beijar o lago.

Descobri na mais pura beleza morta
toda a frieza acolhedora de um silêncio pintado:
porque é efémera a pulsação,
tal é o impulso de um salto retido
e de um passo para trás.

Em todos os horizontes
existem futuros animais selvagens
fruto de uma liberdade condicionada pelo desassossego.

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Sem título de escrita



Falo com a Lua,
ela nada me conta e eu tudo lhe confesso.
As noites são solitárias
mas ainda ouço o teu pensamento.

Sei,
quantos ninhos as aves da Primavera construíram
quantas casas desabaram quando fechei os olhos
e quantas ondas o mar gritou
por cada barco que naufragou.

Sei das mãos que se fecharam contra uma parede
quando recônditos segredos voaram no eco
e por que o vinho foi derramado dos copos
antes de engolir os vidros do amor.

Não sei,
quantas flores morreram antes de o Sol sorrir,
quantos anéis ficaram sem abrigo
ou quantas cartas não tinham destinatário
quando o tempo perdeu o relógio.

Desconheço os fragmentos do céu
e as cores do desejo:
ainda moro no quadro que queimaste
antes de ser obra de um pincel.

domingo, 5 de maio de 2013

Amor de Morte III




Há que limar todas as arestas
para cada circulo vulcânico que atravessamos
sem que as fagulhas nos toquem os lábios
que flamejam fulminantes sem se ver
e se tocam sem se olhar.

Existem promessas silenciadas em montanhas
por todos os segredos que contemos
no fim das lágrimas de um beijo
quando com as mãos nos cortámos
para podermos partir juntos.

A inocência ficou caída entre rosas,
massacrada pela morte de várias palavras
e ferida pela crueldade da ausência
- onde ter-te era uma obrigação
e perder-te foi uma facada.

Quem venenos bebeu,
com água não se curou!
As nossas cartas de amor, despedida e ódio
voltaram para a fogueira,
e tal como os venenos,
o nosso amor nunca terá uma cura.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Les Regrets




Les regrets, trop de regrets
e o tempo que ficou preso entre nós
com todas as memórias
que tentaram escapar-nos por entre os dedos
sem qualquer certeza
e restos de amor.

Le temps, qui n'exist pas
e as longas conversas nocturnas
com planos que caíram ao chão e se quebraram,
como promessas inacabadas
e túmulos de quem morreu sem corpo.

L'espoir, le silence
quando pensámos desconhecer todos os caminhos
e aí permanecemos sem saída
deixando fechado num livro secreto
todo um complexo jogo de palavras
em nome de futuras tempestades.

Crescendo




Desperto os meus cinco sentidos
e faço-os girar em torno de lugares perdidos
mas onde neles me encontrarei.

Não,
não perdi a inocência de um amor devastador
nem os desenhos da ardente esperança,
inquietatante nas raízes dos olhos
e ausente na fúria do sono!;

Simplesmente oculto o sangue que me fervilha,
preso numa semente impedida de crescer
e que, a nós amarrada, já não nos esquece:
- Quantas sementes se guardam por época
sem se dar término às épocas?

Noutro tempo,
noutra Primavera,
noutros jardins proibidos
e sempre na mesma germinação
eu partirei para o fatal reencontro.